O termo paralisia cerebral (PC), também conhecida como encefalopatia crônica não evolutiva (ECNE), refere-se na verdade a um conjunto de problemas causados por uma lesão ao cérebro imaturo, que leva a graus variados de alterações dos movimentos do tronco e dos membros, podendo também interferir na função sensorial e cognitiva. É importante ressaltar que, neste caso, a lesão que ocorre no cérebro não é progressiva, ou seja, não piora com o passar do tempo. Entretanto, as alterações no funcionamento e controle muscular podem levar a alterações ortopédicas que podem se acentuar com o crescimento da criança.
Habitualmente, a suspeita é feita no primeiro ano de vida, quando o pediatra nota algum atraso nos marcos do desenvolvimento (ex.: rolar, sentar e andar), ou percebe alguma diferença entre os movimentos de um membro ou de um lado do corpo.
A criança com paralisia cerebral normalmente apresenta uma certa rigidez muscular e dificuldade para controlar os movimentos. A depender do local e tamanho da lesão no cérebro, a criança também pode apresentar outros problemas, como alterações de percepção e um déficit intelectual.
É importante ressaltar que os pacientes com PC podem ter desde alterações muito leves e localizadas, com inteligência praticamente normal (ex.: uma dificuldade isolada nos movimentos de um dos pés), até quadros em que o paciente não consegue sentar sozinho e é dependente para suas atividades de vida diárias (Figura 1).
A Classificação da Função Motora Grossa (GMFCS) é muito utilizada para agrupar as crianças com paralisia cerebral de acordo com as suas habilidades motoras (Figura 2). Esta classificação é muito importante para que saibamos o que esperar de cada criança e para definir as melhores estratégias de tratamento. Uma breve descrição de cada nível para a faixa etária dos 6-12 anos pode ser encontrada a seguir:
- Nível I: A criança anda sem limitações.
- Nível II: A criança apresenta alguma dificuldade para correr, pular, andar em terrenos irregulares e subir escadas sem apoio.
- Nível III: A criança precisa de algum apoio para andar, como muletas ou andador. Para longas distâncias, a cadeira de rodas pode ser necessária.
- Nível IV: A criança geralmente não consegue ficar em pé ou andar sem auxílio e, ainda assim, somente por curtas distâncias e quando é mais nova. O principal meio de locomoção é a cadeira de rodas, mas elas podem ser capazes de utilizar uma cadeira motorizada de forma independente.
- Nível V: A criança não tem controle de tronco adequado e é dependente dos seus cuidadores para todas as suas atividades de vida diária.
Do ponto de vista ortopédico, as crianças com PC podem desenvolver encurtamento de tendões e músculos, que levam a deformidades ósseas e articulares. Estas alterações podem causar dificuldade para as crianças GMFCS I, II e III caminharem, fazendo com que gastem mais energia, e se cansem mais facilmente. Nas crianças dos níveis IV e V, é comum alterações na coluna, como a escoliose, e nos quadris, que podem inclusive se deslocar de forma gradual durante o crescimento da criança.
A lesão cerebral da criança com PC pode ocorrer antes, durante ou após o nascimento. Entretanto, em muitos casos a causa exata que levou a este problema não pode ser determinada com certeza. Crianças prematuras ou com muito baixo peso ao nascer apresentam risco aumentado de desenvolver a PC. De acordo com o período em que ocorreu a lesão, e a extensão da área afetada, a criança vai apresentar graus variados de comprometimento.
O diagnóstico da PC geralmente é feito por meio de um exame físico minucioso pelo médico pediatra ou neuropediatra. Um exame de ressonância magnética do crânio pode ser indicado para que se confirme o diagnóstico e para que se determine o local e a natureza da lesão cerebral. Em alguns casos, principalmente nos pacientes mais leves, o ortopedista é o primeiro a fazer a suspeita diagnóstica.
Durante o acompanhamento da criança, outros exames podem ser necessários para auxiliar no planejamento do tratamento. As radiografias de bacia e coluna são fundamentais, principalmente nos pacientes GMFCS IV e V, que têm maior chance de problemas nestes locais (Figura 3). O primeiro sinal de que o quadril está se deslocando no paciente com PC pode ser apenas uma alteração na radiografia, sem nenhuma alteração externa aparente.
Para as crianças que apresentam dificuldade para andar devido a encurtamentos musculares e tendíneos e/ou deformidades ósseas e articulares, o exame de marcha é muito importante para a compreensão de todas as alterações na forma da criança caminhar e para planejar a melhor estratégia de tratamento. O Einstein dispõe de um laboratório de movimento em operação desde 2008, com equipe altamente especializada na avaliação dos problemas da marcha de crianças com paralisia cerebral.
O tratamento do paciente com PC deve envolver diversas especialidades médicas, incluindo o pediatra, o neuropediatra, o ortopedista e o fisiatra. Além disso, uma equipe de profissionais deve estar envolvida com a reabilitação da criança, incluindo o fisioterapeuta, o terapeuta ocupacional, o pedagogo, o fonoaudiólogo e o psicólogo. De uma forma geral, o objetivo do tratamento das crianças com PC é fazer com que elas desenvolvam o seu máximo potencial e, quando possível, adquiram a independência que será importante na vida adulta. Infelizmente, não há método conhecido para reverter a lesão cerebral. Portanto, todos os métodos de tratamento buscam controlar as alterações causadas pela mesma.
É importante que o nível do GMFCS seja determinado para auxiliar a definir qual a linha de tratamento que deve ser seguida. Os pacientes GMFCS I, II e III, geralmente têm boa parte de seus objetivos de tratamento ligados à melhora da sua capacidade de andar. Por outro lado, os pacientes do nível IV e V tem objetivos mais focados no posicionamento adequado, no controle da dor e no tratamento de eventuais alterações no quadril e na coluna.
Em nossa experiência, com frequência observamos que o tratamento da criança com PC em seus primeiros anos de vida é direcionado principalmente ao desenvolvimento motor. Entretanto, é importante observar que, para a futura independência dessa criança, o desenvolvimento cognitivo e da capacidade de comunicação não podem ser desconsiderados. Por essa razão, deve-se enfatizar que a integração social e a escolaridade são mandatórias. Ao frequentar a escola, o convívio com as outras crianças, além de incrementar a capacidade de comunicação e o desenvolvimento cognitivo, também estimulará o desempenho nas atividades motoras.
Devemos lembrar que a homeostase da família também é muito importante para que essa criança consiga desenvolver todo seu potencial. O convívio com irmãos e familiares deve ser estimulado. O convívio social da família deve ser mantido e a criança deve ser estimulada e inserida nessas atividades.
Reabilitação
Na reabilitação, o médico e os terapeutas podem recomendar diversos métodos para melhora do controle dos movimentos, do equilíbrio e da força. Algumas crianças precisam utilizar órteses para estabilizar as articulações e controlar o posicionamento, e algumas ainda requerem o uso de algum meio auxiliar, como andador ou muletas (Figura 4).
Tratamento Clínico
As crianças com PC muitas vezes requerem o uso de medicações para auxiliar no controle do tônus (rigidez) muscular ou no controle de movimentos involuntários que podem estar presentes. Algumas crianças também podem requerer a aplicação de injeções de toxina botulínica nos músculos mais afetados, para promover relaxamento muscular e auxiliar no posicionamento e/ou no caminhar. Estas aplicações geralmente são realizadas sob sedação em crianças.
Tratamento Cirúrgico
Algumas crianças com PC podem ser elegíveis a procedimentos neurocirúrgicos para auxiliar no controle do tônus muscular, como a rizotomia dorsal seletiva e a bomba de baclofeno intra-tecal. Estes procedimentos têm indicações bem específicas e nem todo paciente se beneficia de tais intervenções. Converse com seu médico sobre as indicações no caso da sua criança.
Quando ocorrem encurtamentos musculares e tendíneos e deformidades ósseas e articulares que interferem com a função e atrapalham as atividades de vida diária das crianças, a cirurgia ortopédica é muitas vezes indicada. O exame realizado no laboratório de marcha é muito importante no planejamento cirúrgico das crianças nível I, II e III do GMFCS, para que todas as alterações que comprometem a sua capacidade de andar possam ser compreendidas e tratadas de forma adequada. O principal objetivo é melhorar o alinhamento dos membros inferiores, sem enfraquecer a criança de forma excessiva. Normalmente estes procedimentos são realizados após os 6-7 anos de idade, sendo que alguns tipos de cirurgias são mais indicados em uma idade mais próxima da adolescência. O seu médico saberá quais são as intervenções mais indicadas para cada caso.
As crianças com PC nível IV e V frequentemente requerem procedimentos cirúrgicos para garantir seu conforto e posicionamento adequados. Particularmente os quadris e a coluna devem ser monitorados de perto. Quanto mais precoces as intervenções neste nível, geralmente melhores os resultados.